terça-feira, maio 17

Edgar Allan Poe



Edgar Allan Poe


por Rubens Francisco Lucchetti



BostonBoston é capital do estado norte-americano de Massachusetts e a maior cidade da região da Nova Inglaterra. Tem aproximadamente 6 milhões de habitantes.

Guerra da Independência AmericanaA Guerra da Independência dos EUA (1775-1783) teve início com a revolta das 13 colônias contra a Inglaterra.

Comemorações
Cinco grandes cidades norteamericanas celebram o bicentenário de nascimento Poe: Boston, Richmond, Baltimore, Filadélfia e Nova York. Com exposições de originais, leituras, debates acadêmicos e, em Baltimore, uma encenação de seu funeral. Algo funesto, ao estilo de um autor de contos de horror.
ByronGeorge Gordon Byron (1788-1824) se destacou como poeta na Inglaterra e foi uma figura proeminente do Romantismo. Mais conhecido como Lord Byron, sua principal obra é Don Juan.

Igreja PresbiterianaO presbiterianismo, base filosófica do Protestantismo Cristão, é baseado nas formulações de Calvino, o fundador da seita dissidente do Catolicismo Apostólico Romano. A Igreja Presbiteriana tem como origem a Reforma Protestante no século XVI.
"Nenhum
homem que tenha vivido
conhece mais sobre a
vida depois da morte
que eu ou você. Toda
religião simplesmente
desenvolveu-se com
base no medo, ganância,
imaginação e poesia." 

Edgar Allan Poe
BaltimoreBaltimore é a maior cidade do Estado americano de Maryland. É um centro comercial e financeiro, e também pólo portuário de maior importância nos Estados Unidos.Começou a crescer nos finais do século XIX como um depósito dos açucares. É em Baltimore que está o Forte McHenry, que foi atacado pelos ingleses em 1812. Fato que inspirou Francis Scott Key a escrever o poema, que mais tarde se tornou o Hino nacional dos Estados Unidos da América.

"Eu nunca fui desde a infância jamais semelhante aos outros. Nunca vi as coisas como os outros as viam. Nunca logrei apaziguar minhas paixões na fonte comum. Nunca tampouco extrair dela os meus sofrimentos. Nunca pude em conjunto com os outros Despertar o meu peito para as doces alegrias, E quando eu amei o fiz sempre sozinho. Por isso, na aurora da minha vida borrascosa evoquei como fonte de todo o bem o todo o mal. O mistério que envolve, ainda e sempre, Por todos os lados, o meu cruel destino..."
Publicado postumamente na edição de setembro de 1875 do Scribner's Magazine
Há duzentos anos, o dia 19 de janeiro de 1809, na cidade de Boston , foi certamente um dia de muito sol, com réstias de luz, intrusas, a aureolarem o menino que nascia para ser um dos máximos poetas e escritores do século 19. O céu, uma abóbada azul, maculada aqui e ali com buquês de nuvens brancas, embebia tudo com uma claridade intensa, dando certa diafaneidade às coisas, como que mergulhadas num halo de luz, fixando com júbilo a boa nova. Nascera Edgar Poe.
Com as portas e janelas fechadas, as casas da vizinhança ofereciam o aspecto de rostos patéticos e emudecidos. Aspirava-se no ar esse espanto peculiar que nos proporcionam os contos de Poe, essa aversão de morte que aniquila a razão, uma sombra, do corvo talvez, a pairar sobre tudo, um presságio que o arrebatou do cotidiano.
O pai, David Poe Jr., provém de uma família que se distinguiu durante a Guerra da Independência Americana . A mãe, Elizabeth Arnold, nascida em Londres, em 1787, emigrou nova para a América, abandonando tudo para seguir a carreira teatral, tendo certa notoriedade como atriz. Ela é descrita como "Franzina com grandes olhos misteriosos e longos cabelos de um negro azeviche, mignon, membros frágeis e uma fisionomia altiva." Mas David, ator menos que medíocre, é, além disso, um alcoólatra. Nascem-lhes sucessivamente três filhos: William Henry, em 1807, Edgar e Rosálie, em 1810. Tuberculoso, com a saúde minada pelo álcool, David morrerá alguns meses após o nascimento de Edgar. Uns alegavam que sua morte foi devida a excessos alcoólicos; outros, como Harvey Allen, afirmam que havia abandonado a esposa, por terlhe sido infiel, pouco antes de ter nascido o último filho. Elizabeth, tísica e esgotada pelos sucessivos partos, com o esmagador encargo da família, vê-se na mais extrema miséria em Boston, uma cidade tida como nada hospitaleira.
Com a saúde minada, no auge do desespero, ela parte para o sul, deixando Henry aos cuidados de sua cunhada Maria Clemm, residente em Baltimore, arrastando consigo Edgar e Rosálie. A última etapa de seu derradeiro calvário é Richmond, em Virginia.
Miséria absoluta
E quando várias pessoas visitaram a enferma, no apogeu da decadência, encontraram- na estendida sobre o leito, nos derradeiros momentos, sem dinheiro e sem conforto ou o que comer, em profundo desespero, sem absolutamente nada. Os filhos nus, sujos com as faces esguias de tanta fome experimentada, desfazem-se em choros sem fim, apesar dos carinhos dispensados por uma velha criada, que os acompanhava desde os dias de glória, em que resquícios dos aplausos entravam pelas frinchas. E, para enganar-lhes a fome, dava-lhes côdeas de pão preto e duro, molhados em gengibre.
A 7 de dezembro de 1811, a imprensa anuncia um recital em beneficio de Elizabeth Arnold Poe. Elizabeth exala o último suspiro no dia seguinte, com a idade de 24 anos. Edgar e Rosálie são deixados sob os cuidados da companhia. Para Edgar foi o primeiro passo para uma terrível familiaridade com a Morte.
Mas o infortúnio, tal qual A Máscara da Morte Rubra, achava-se à espreita. Poucos dias após a morte da mãe, um terrível acontecimento vem atingir os infelizes órfãos. Na noite de Santo, o teatro onde antes a senhora Poe havia representado, é destruído por um incêndio, no qual perdem a vida sessenta espectadores. Os atores veem-se forçados a ir procurar trabalho em outras paragens, confiando os filhos de Elizabeth à burguesia local.
É necessário acentuar estes dias do infortúnio, para que se possa compreender em parte a existência dramática e o gênio incomum de Poe, que trazia, desde o berço, o estigma de um alcoolismo hereditário, sendo que toda a sua existência foi uma árdua batalha sem fim entre dois instintos antípodas: de um lado a firme resolução de não beber, e, de outro, a depressão, o mutismo que o assaltava frequentemente, a morbidez funesta que o intoxicava de complexos e a irresistíve1 volúpia de procurar na bebida um estimulante que lhe atenuava a adversidade que via em tudo, entregando-se à embriaguez, sendo então protagonista das cenas mais humi1hantes e asquerosas a que um ser humano pode se entregar.
A todo momento quebrava as promessas que fazia para se corrigir, e os atos que lhe comprometiam e afeiavam seu nome desanimavam todos aqueles que se esforçavam de furtá-lo àquela degradante vida.
A adoção
Entretanto, sua existência despida de sorrisos foi agraciada. Rosálie é adotada por um comerciante rico, William Mackenzie. Frances Keeling Valentine, esposa do abastado negociante John Allan encarrega-se do garotinho. Não tem filhos e leva o pequeno Edgar para o seu lar, um suntuoso edifício branco "onde flutua o perfume do tabaco e do punch, e também o odor mosqueado dos escravos." Apesar da oposição lavrada do sr. Allan, Edgar é batizado na Igreja Presbiteriana , e acrescentam-lhe ao nome o do seu pai adotivo; na verdade, a adoção nunca será oficialmente homologada. Aos 6 anos, o filho dos saltimbancos sabe ler, desenhar e cantar. Frances Allan e sua irmã, Anne Moore Valentine, cercam-no de um afeto sufocante, exclusivista, satisfazendo- lhe todos os seus caprichos. "A minha palavra fazia lei em toda a casa, e, na idade em que poucas crianças são arrancadas às saias das mães, eu, senhor dos meus atos, podia entregar-me aos impulsos da minha vontade."
A vida na Inglaterra
Em 1815, no dia posterior ao da derrota de Napoleão, John Allan, com os negócios comprometidos pela Segunda Guerra da Independência devido ao bloqueio naval das costas americanas pelos ingleses, resolve tentar a vida na Inglaterra, instalando-se em Liverpool. Edgar é mandado primeiro a Irvine, na Escócia, para a casa da severa Sra. Mary Allan, tia de seu pai adotivo. Posteriormente, é matriculado em Londres, na escola de meninas Debeurg, mais tarde transferido para o Colégio do Reverendo Bransky, em Stoke Newington. Assim, Poe descreve o lugar: "Uma aldeia afagada numa multidão de árvores gigantescas e nodosas e onde todas as casas pareciam excessivamente velhas."
Mas os negócios de John Allan não se desenvolveram da forma como ele esperava e, além disso, o clima úmido da Inglaterra se mostra nocivo à saúde frágil de sua mulher, Frances. Assim, em 1820, ele regressa à América. Se esses cinco anos não correram a John Allan da forma como ele esperava, trouxeram algum benefício a Edgar, que teve algumas noções de francês, latim, história e literatura. Não é muita coisa, mas também serviram para enriquecer sua imaginação febril, impressionada pelos castelos misteriosos, pelas casas decrépitas, pelas cavas úmidas e pelos corredores escuros, nos quais ele pressente a presença do sobrenatural.





UM HOMEM SÓ VIVE NA MEDIDA EM QUE É CÉLEBRE SOU JOV EM; E, SE, O AMOR DO BELO PODE TORNAR-NOS POETAS, EU SOU-O, TAL COMO DESEJAVA SÊ-LO A TODO O CUSTO.
Sou espantosamente preguiçoso o maravilhosamente ativo, mas a espaços. Há períodos em que toda a atividade intelectual constitui para mim uma tortura e em que só me satisfaz a comunhão solitária com as montanhas e os bosques, os ídolos de Byron . Perco assim meses inteiros a vagabundear, a sonhar, para afinal mergulhar numa espécie de atividade frenética. Então garatujo no papel todo o dia e leio toda a noite, enquanto dura esta faina. Não sou ambicioso, salvo de uma forma negativa. Mas de longe em longe me toma o brusco desejo de bater nalgum imbecil somente porque me repugna deixar crer a esse imbecil que pode bater-me. Tenho profunda consciência de uma verdade, da qual toda a gente se limita a falar - a verdade da vida temporal. Passo a minha vida a sonhar com o futuro. Não creio na natureza perfectível do homem. Nem penso que o trabalho humano possa beneficiar a humanidade de forma apreciável. Presentemente, o homem é mais ativo, mas não é nem mais feliz nem mais sagaz que há seis mil anos. Você pediu-me "um memorial sobre a minha vida". Porém, depois do que eu já escrevi creio que estará persuadido de que nada mais tenho para lhe expor. Tenho plena consciência do caráter evanescente das coisas temporais para ligar importância seja a que for para ser lógico em qualquer ocasião. A minha vida tem sido apenas capricho, ilusão, arrebatamento, desejo de solidão, desdém do presente e sede do futuro...
(Anotações de 1827)
II Escrevo por imperativo mental, para satisfazer o meu gosto e o meu amor pela Arte. A glória não exerce em mim a menor influência determinante. Como poderia eu preocupar-me com o juízo de uma multidão se desprezo cada um dos indivíduos que a constituem?
(Autobiografia Espiritual, 1844)
III Disse-lhe na última vez que nos vimos que desprezava a glória. Menti-lhe. Amo a glória. Estou pensando nela, idolatro-a. Esgotaria até ao último alento essa divina embriaguez. Desejaria que o incenso se evolasse em minha honra de cada colina e de cada aldeia, de cada cidade e de todas as cidades em conjunto da Terra. Glória, celebridade, é o sopro vivificante, o sangue que alimenta. Um homem só vive na medida em que é celebre. Quão cruelmente menti à minha natureza e às minhas aspirações ao afirmar que não desejava a glória e, ainda mais, que a desprezava.
(Conversações com Ingram, s/d)

Academia Militar de West PointA Academia Militar de West Point é uma das principais escolas de armas dos EUA. Fundada em 1802, é a mais antiga do país. Com uma área de 65 km quadrados, situa-se às margens do rio Hudson, a 80 km da cidade de Nova York.
Saturday VisiterThe Baltimore Saturday Visiter era semanário de Baltimore, Maryland do século 19. Era publicado a partir de 1832 por Charles Cloud e Lambert Wilmer, amigo de Poe, que dava espaço para seus contos. O jornal desapareceu na "era abolicioniosta" em 1847.
"...Nos contos de Poe, frequentemente, a realidade não é real, passo o oxímoro, mas metafórica. Um dos sistemas estratégicos de Poe para criar suspense foi a dúvida. Será a ressurreição de Ligeia uma fantasia do marido narrador sob o efeito de alucinógenos? Ou, pelo contrário, tratarse- á de um verdadeiro e ectoplasmático regresso? Em qualquer caso, a consciência atormentada parece ser o castigo designado." 
João de Mancelos, professor universitário e crítico literário

Poe por Gaiman 
Outra visão imperdível é a de Mr. Neil Gaiman, que postou em seu site um ensaio escrito especialmente para a coleção de Edgar Allan Poe da Barnes & Noble. Gaiman fala de Poe como influência para seu trabalho e para a obra de muitos outros escritores, de Conan Doyle a Ray Bradbury, desenterrando (em se tratando de Poe, esse verbo é sempre adequado) referências que, se não são insuspeitadas, podem às vezes passar despercebidas neste início de século vinte e um onde temos tanta informação na ponta dos dedos mas - ai de nós! - mal sabemos usar o Google.

São essas experiências que nos ajudarão a compreender certos aspectos de sua obra: o gosto pelo macabro e pelo misterioso, a atmosfera medieval que perpassam pelos seus contos.
De regresso a Richmond, Edgar frequenta a Escola Clássica Ingleses; e, por essa época, apaixona-se pela mãe de um de seus colegas, Jane Stanard, que morreu tuberculosa e louca, alguns meses mais tarde. Esse foi o princípio de uma interminável série de exaltações amorosas platônicas, que se seguirão e se desencadearão desordenadamente por toda a existência do poeta. Não demora muito e ele está apaixonado por uma jovem vizinha, Sarah Emira Royster; mas o pai apressa-se a casar a filha com um velho rico comerciante.
Em fevereiro de 1826, John Allan inscreve o filho na faculdade de Línguas Mortas e Vivas da Universidade, fundada por Thomas Jefferson. Ali, exatamente como acontecia nos colégios ingleses da época, os jogos de azar, o álcool, o ópio, o láudano, as mulheres e os duelos são as principais distrações dos estudantes. No seu ímpeto incontido de brilhar e impressionar, Edgar não demora em esgotar os dólares que John Allan o presenteou, mas não é o bastante para que ele abandone os vícios. Afunda-se em dívidas, e não paga nem mesmo seu alfaiate nem aos demais credores.
Rebeldia
No Natal desse mesmo ano, Edgar tem uma violenta discussão com o pai, uma vez que ele recusara pagar-lhe as dívidas. Allan tira-o da Universidade e tenta fazê-lo interessar- se pelo mundo dos negócios, sem sucesso; e as discussões entre ambos tornam-se frequentes. Num ímpeto de arrogância, a 24 de março de 1827, Edgar abandona a mansão dos Allan, mudando para um sórdido hotel, a taberna de Richardson. É o fim de uma vida abastada. Daquele dia em diante terá de lutar pela sua própria sobrevivência. Chega a escrever uma carta ao pai "cheia de dignidade"; mas John Allan sequer lhe responde, muito embora a senhora Frances Allan, imbuída do sentimento maternal, tentasse interceder a favor de Edgar. Mas em vão. A fim de minimizar as agruras do filho adotivo, manda-lhe algum dinheiro. Com esse dinheiro, Edgar viaja para Boston e apressa-se a editar por sua conta os poemas que ele compusera na Universidade: Tamerleão e Outros Poemas. Escritos por um Bostoniano, cuja edição passa totalmente despercebida.
Decepcionado, Edgar, usando o nome falso de Edgar A. Perry, alista-se no Exército a 26 de maio de 1827. O serviço não é estafante, dispondo de muito tempo livre, compõe o seu poema Al Aaraaf. Como tem boa conduta, chega a primeiro-sargento. Passados alguns meses, satura-se daquela vida e requer licenciamento, com a intenção de ingressar na Academia Militar de West Point  , pretendendo se tornar oficial.
Atendendo a um pedido do filho rebelde, John Allan cede aos seus rogos, talvez em memória de sua esposa, que morrera em 28 de fevereiro de 1829. Esse período marca uma aproximação entre ambos.
Confissão de Alan Poe
Cometi apenas um erro. Não soube ser feliz. Nunca: nem um só dia, nem sequer uma hora. A própria criação, um prazer para os poetas mais sensíveis, foi para mim sempre mais angustiante que redentora. A causa primeira do meu infortúnio conheço-a agora. Tive sempre medo da vida. De uma sensibilidade exacerbada e doentia desde a mais tenra infância, atormentada e mortificada até a exaustão pelo infortúnio e pela miséria, a vida banal, as realidades quotidianas constituíam para mim uma fonte constante de terror. Tinha a impressão de viver continuamente suspenso no limite de dois reinos - ser uma criança semimorta unida em laço misterioso a um espectro nostálgico. A criança tinha medo da treva; o espectro da luz. Uma e outro aspiravam à morte e, simultaneamente, receavamna. A vida era para mim aborrecimento, alucinação, condenação. Cada vez que eu tentava reconciliar-me com ela saía maltratado, repelido. Fazia-me o efeito de um anjo que pretendesse participar num banquete de monstros. O próprio amor não logrou salvar-me porque a mulher é uma das mais perfeitas encarnações da vida, e eu tinha da vida um indizível terror. Todas as mulheres que julguei amar ou fugiram de mim, ou estão mortas. Uma vez mortas, e só então, elas pareciam realmente minhas amantes na eternidade, as únicas que poderiam amar um homem segregado da vida. Para escapar às minhas visões terrificantes, aos meus pesadelos, às tentações de minha razão delirante, um gênio forçava-me a escrever, senhor mais titânico e exigente que um demônio. Escrevi, pois, toda a minha vida poemas, narrativas, contos, tratados, ensaios. Porém, mal experimentava a ilusão de pela poesia ter exorcizado a perseguição dos meus pavores, logo outras alucinações, outros pesadelos, outras bizarrias macabras e fúnebres assaltavam sem trégua a minha pobre alma acabrunhada. Então, como última esperança do meu desespero, buscava socorro no álcool, que, aliás, abominava."
Finalmente, embarca para Washington, levando na bagagem algumas cartas de apresentação de seu pai adotivo. Mas as formalidades burocráticas arrastam-se por semanas; e Edgar decide visitar seu irmão Henry, oficial da Marinha. Ele instala-se em casa de Maria Clemm, irmã de seu pai, em Baltimore. Ali escreve e conversa muito com Henry sobre literatura e joga com sua priminha Virginia.
Este é um dos poucos períodos felizes de sua vida. A sorte também lhe sorri no campo literário. Na sequência de uma apreciação favorável do crítico John Neal e da sua publicação na Iankee and Boston Literary Gazette, o seu poema Al Aaraaf é editado por Hatch & Dunning, juntamente com Tamerleão e Outros Poemas. Não é evidentemente a glória, mas pelo menos Edgar já não é um desconhecido no mundo das letras.
Escola militar
Pouco depois, o poeta precoce ingressa na Escola Militar de West Point. Nos primeiros meses declara-se "extremamente satisfeito com tudo e com todos". Mas, em pouco tempo, a falta de dinheiro e a vida dispendiosa que ele sustenta para poder manter as aparências junto aos camaradas ricos obrigamno a contrair dívidas que, como de costume, John Allan se recusa a pagar. Por essa época, seu pai adotivo casara em segundas núpcias e estava finalmente à espera de um herdeiro legítimo. Dessa forma, Poe já não podia definitivamente contar com a fortuna de seu pai adotivo. Então, resolvido a abandonar a academia, começa a faltar às aulas; até que, a 28 de janeiro de 1831, o Tribunal Militar expulsa-o, ignominiosamente, de West Point. Sem perda de tempo, Edgar dirige-se a Nova York, a fim de editar um novo livro, Poemas, utilizando para isso o dinheiro extorquido de seus camaradas da Academia.
Não conseguindo emprego em Nova York, Edgar, reduzido às mais duras necessidades, se vê forçado a partir para Baltimore e a instalar-se de novo em casa de sua tia Clemm, que, segundo Baudelaire, "era o anjo do poeta". Maria Clemm, vivendo de seu próprio trabalho, o ajudará a vencer suas muitas crises.


E me vi de tristezas referto, como a folhagem seca que morria, a folhagem fanada que morria! E exclamei: "Era outubro, decerto, e era esta mesma, há um ano, a noite fria em que vim, a chorar, aqui perto, fardo horrível trazendo, aqui perto! 
Trecho do poema Ulalume

Poe passa todo o inverno em casa de tia Clemm e sustenta com uma jovem vizinha, Mary Devereaux, uma intriga sentimental de certa seriedade que teve um final brusco, quando, ao se apresentar bêbado, é enxotado pelos familiares da moça. Em 1833, Edgar ganha 50 dólares num concurso do Saturday Visiter , de Baltimore, com o seu conto Manuscrito Encontrado Numa Garrafa. O membro eminente do júri, o crítico John P. Kennedy, simpatiza com o jovem autor e recomenda-o a Thomas White, diretor do Southern Literary Messenger, de Richmond, que o contrata imediatamente. Dessa forma, Edgar se vê novamente em Richmond, onde seu pai adotivo morre a 27 de março de 1834. O nome do poeta nem sequer é mencionado no seu testamento.
Decidido a conquistar a glória a qualquer preço, Poe atira-se ao trabalho febrilmente e com toda a paixão de que é capaz. "Agora sou feliz com uma excelente expectativa de triunfo", escreve a Kennedy. Porém, bastaram apenas alguns meses e novamente todos esses seus sentimentos já mudaram. "Nesta altura, encontro-me num estado verdadeiramente lastimável. Sofro de uma depressão mental como jamais experimentei. Tenho lutado em vão contra a melancolia. Encontro-me, pois, num estado miserável, e ignoro por quê." Então, entrega-se desesperadamente à bebida e perde totalmente o interesse pelo trabalho. Sem outra alternativa, Thomas White despede-o. Mas torna a readmiti-lo um ano depois, devido a insistentes pedidos de seu protetor, Kennedy.
Casamento em segredo
Desta vez, Edgar volta a Richmond acompanhado de Maria Clemm e de Virginia, agora, senhora Virginia Poe. Edgar casara-se secretamente, a 22 de setembro de 1835, com a prima que tinha apenas 13 anos - desde a sua primeira visita à tia, quando então Virginia contava com 7 anos, uma estranha afeição fraterna nascera entre os dois primos. Edgar acompanhava a priminha em longos passeios e contava-lhe histórias maravilhosas de sua invenção, servindo-se dela como mensageira para levar cartinhas inflamadas à jovem vizinha, Mary Devereaux. Porém, nesse seu novo regresso, as suas relações tornaram-se mais íntimas e falou-se em casamento, a ponto de um parente intervir energicamente e declarar-se disposto de cuidar de Virginia até que esta completasse 18 anos. Mas Edgar, contando com o apoio da tia, que o ama como a um filho, dá seu consentimento e o casamento é realizado em segredo.
Para esta recente família, os primeiros meses em Richmond não são nada fáceis, mas, com o passar do tempo, tudo acaba por normalizar-se. White mostra-se satisfeito por havê-lo recontratado e ao vê-lo dedicado de uma forma obstinada; e o sucesso de tal dedicação logo aparece, com a tiragem do jornal aumentando vertiginosamente. White nomeia-o redator-chefe, com o ordenado de 800 dólares.
O casamento oficial de Edgar e Virginia, uma vez que o primeiro, por não estar registrado não teve nenhuma validade, aconteceu em 16 de maio de 1836: Edgar Allan Poe tinha 27 anos; Virginia Clemm, 14. Eles só se casaram porque uma testemunha condescendente afirmou que a jovem tinha 20 anos. O casal faz uma viagem de núpcias de quinze dias a Pittsburgh. Mas, ao que se sabe, esse estranho casamento nunca chegou a ser consumado. Enfim, o poeta encontrara uma família. No entanto, aqui fica a pergunta: teria ele também encontrado a felicidade?
E assim cerrou-se a noite em torno de mim. Vieram as trevas, demoraram, foram embora. E o dia raiou mais uma vez. E os nevoeiros de uma segunda noite de novo se adensavam em torno de mim. E eu ainda continuava sentado, imóvel, naquele quarto solitário, ainda mergulhado em minha meditação, ainda com o fantasma dos dentes, mantendo sua terrível ascendência sobre mim, a flutuar, com a mais viva e hedionda nitidez, entre as luzes e som-bras mutáveis do aposento. Afinal, explodiu em meio de meus sonhos um grito de horror e de consternação, ao qual se seguiu, depois de uma pausa, o som de vozes aflitas, entremeadas de surdos lamentos de tristeza e pesar. Levanteime e, escancarando uma das portas da biblioteca, vi, de pé, na antecâmara, uma criada, toda em lágrimas, que me disse que Berenice não mais. Fora tomada de um ataque epiléptico pela manhã e agora ao cair da noite, a cova estava pronta para receber seu morador e todos os preparativos do enterro estavam terminados. Trecho do poema Berenice (Extratus)
Sua alma é como se um anjo negro o rondasse: inspirando-lhe, mas em troca roubando-lhe a paz que nunca encontrara. E não consegue dominar-se, só encontrando lenitivo no álcool e na droga. Suas crises são mais constantes e violentas, cai em terríveis fases de depressão que o fazem detestar sua profissão. Não tendo outra alternativa, White despede-o; desta vez, de forma definitiva.
Em julho de 1838, a família Poe instalase em Nova York. O poeta publica sua novela As Aventuras de Arthur Gordon Pyn, mas não consegue encontrar um emprego fixo. E Maria Clemm tem a incumbência de manter os "seus filhos".
O Corvo
Dizendo-se perseguido e incompreendido, Poe muda-se para Filadélfia, onde colabora no Gentleman's Magazine, de W. Buston, que lhe publica alguns dos seus mais célebres contos; mas, em junho, a colaboração com essa revista é interrompida. Principia, então, para o poeta, um dos seus mais terríveis calvários. Sem trabalho, Virginia enferma, é a mais terrível miséria, as asas do anjo negro estendem-se mais uma vez sobre ele... e, mais uma vez, desesperado, retorna a Nova York e desta vez colabora no New York Sun e no Evening Mirror, que publica, em 19 de janeiro de 1845, o seu poema O Corvo. Essa insólita poesia vem definitivamente colocar Poe ao lado dos maiores luminares da literatura contemporânea.
O sucesso literário veio acompanhado de um sucesso mundano. Deixando em Fordham a pobre Virginia, que necessita de ar puro do campo, Poe principia a percorrer todos os Estados da União para declarar o seu grande sucesso. É um período de deslumbramento, entregando-se a paixões literárias. A mais notória de todas foi sem dúvida sua ligação com a bela poetisa Frances Osgood, que, como todas as anteriores, terminou de uma forma lamentável. Nesta, Poe foi preterido pelo reverendo Griswold.
Mas se o seu grande sucesso aconteceu em 1845, também esse ano marcaria a sua grande derrocada. Em outubro de 1845, Poe obtém os direitos exclusivos do Broadway Journal, de Nova York, uma imprudência que o editor Briggs lhe confiou. Tendo investido nele tudo quanto dispunha, dentro em breve Poe encontra-se inadimplente, sem condições de prosseguir a publicação do jornal. Sua procura desesperada por um sócio resulta em vão e, não podendo resgatar uma letra de 50 dólares, desiste. É a derrocada final.
E mais uma vez "mamãe" Clemm acorre em seu auxílio e leva-o com ela para o campo, em Fordham. É uma casa modesta; Maria Clemm serve de intermediária entre ele e os diretores de revistas, levando artigos, contos e trazendo dinheiro, procurando provisões para casa e percorrendo todas as tabernas até, numa delas, encontrá-lo embriagado.
Porém, Virginia, a jovem esposa, muito bonita, com uma graça de menina que algumas delas conseguem reter por muito tempo, cada vez com a saúde mais debilitada, estava destinada a uma morte prematura. Uma das grandes alegrias do poeta era ouvi-la cantar, sentada ao piano ou dedilhando a harpa. Na noite de 30 de janeiro de 1847, a melodia se interrompe bruscamente; um vaso dos pulmões se rompera, e Poe não ouviria "nunca mais" a voz que o enlevava. Desde então, ela não podia mais suportar a menor mudança de temperatura, tinha necessidade de tratamentos que a exiguidade da casa e dos recursos não permitiam que fossem tomados. Em sua memória, Poe escreve o angustioso Ulalume.


O Corvo, com tradução de Machado de Assis
Em certo dia, à hora
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há de ser isso e nada mais".
Ah! bem me lembro! bem me lembro!
Era no glacial dezembro;
Cada brasa do lar sobre o colchão refletia
A sua última agonia.
Eu ansioso pelo Sol, buscava
Sacar daqueles livros que estudava
Repouso (em vão!) à dor esmagadora
Destas saudades imortais
Pela que ora nos céus anjos chamam Lenora,
E que ninguém chamará mais.
E o rumor triste, vago, brando
Das cortinas ia acordando
Dentro em meu coração um rumor não sabido,
Nunca por ele padecido.
Enfim, por aplacá-lo aqui, no peito,
Levantei-me de pronto, e "Com efeito,
(Disse), é visita amiga e retardada
"Que bate a estas horas tais.
"É visita que pede à minha porta entrada:
"Há de ser isso e nada mais".
Minh'alma então sentiu-se forte;
Não mais vacilo, e desta sorte
Falo: "Imploro de vós - ou senhor ou senhora,
Me desculpeis tanta demora.
"Mas como eu, precisando de descanso
"Já cochilava, e tão de manso e manso,
"Batestes, não fui logo, prestemente,
"Certificar-me que aí estais".
Disse; a porta escancar, acho a noite somente,
somente a noite, e nada mais.
Com longo olhar escruto a sombra
Que me amedronta, que me assombra.
E sonho o que nenhum mortal há já sonhado,
Mas o silêncio amplo e calado,
Calado fica; a quietação quieta;
Só tu, palavra única e dileta,
Lenora, tu, com um suspiro escasso,
Da minha triste boca sais;
E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço;
Foi isso apenas, nada mais.
Entro co'a alma incendiada.
Logo depois outra pancada
Soa um pouco mais forte; eu, voltando-me a ela:
"Seguramente, há na janela
Älguma coisa que sussurra. Abramos,
"Eia, fora o temor, eia, vejamos
"A explicação do caso misterioso
Dessas duas pancadas tais,
"Devolvamos a paz ao coração medroso,
"Obra do vento, e nada mais".
Abro a janela, e de repente,
Vejo tumultuosamente
Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias.
Não despendeu em cortesias
Um minuto, um instante. Tinha o aspecto
de um lord ou de uma lady. E pronto e reto,
Movendo no ar as suas negras alas,
Acima voa dos portais,
Trepa, no alto da porta em um busto de Palas:
Trepado fica, e nada mais.
Diante da ave feia e escura,
Naquela rígida postura,
Com o gosto severo, - o triste pensamento
Sorriu-me ali por um momento,
E eu disse: "Ó tu que das noturnas plagas
"Vens, embora a cabeça nua tragas,
"Sem topete, não és ave medrosa,
"Dize os teus nomes senhoriais;
"Como te chamas tu na grande noite umbrosa?"
E o corvo disse: "Nunca mais".
Vendo que o pássaro entendia
A pergunta que eu lhe fazia,
Fico atônito, embora a resposta que dera
Dificilmente lha entendera.
Na verdade, jamais homem há visto
Coisa na terra semelhante a isto:
Uma ave negra, friamente posta
Num busto, acima dos portais,
Ouvir uma pergunta a dizer em resposta
Que este é seu nome: "Nunca mais".
No entanto, o corvo solitário
Não teve outro vocabulário.
Como se essa palavra escassa que ali disse
Toda sua alma resumisse,
Nenhuma outra proferiu, nenhuma.
Não chegou a mecher uma só pluma,
Até que eu murmurei: "Perdi outrora
"Tantos amigos tão leais!
"Perderei também este em regressando
a aurora".
E o corvo disse: "Nunca mais!"
Estremeço. A resposta ouvida
É tão exata! é tão cabida!
"Certamente, digo eu, essa é toda a ciência
"Que ele trouxe da convivência
"De algum mestre infeliz e acabrunhado
"Que o implacável destino há castigado
"Tão tenaz, tão sem pausa, nem fadiga,
"Que dos seus cantos usuais
"Só lhe ficou, na amarga e última cantiga,
"Esse estribilho: "Nunca mais".
Segunda vez nesse momento
Sorriu-me o triste pensamento;
Vou sentar-me defronte ao corvo magro e rudo;
E, mergulhando no veludo
Da poltrona que eu mesmo ali trouxera,
Achar procuro a lúgubre quimera,
A alma, o sentido, o pávido segredo
Daquelas sílabas fatais,
Entender o que quis dizer a ave do medo
Grasnando a frase: "Nunca mais".
Assim pôsto, devaneando,
Meditando, conjeturando,
Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava,
Sentia o olhar que me abrasava.
Conjeturando fui, tranqüilo, a gosto,
Com a cabeça no macio encosto
Onde os raios da Lâmpada caíam,
Onde as tranças angelicais
De outra cabeça outrora ali se desparziam
E agora não se esparzem mais.
Supus então que o ar, mais denso,
Todo se enchia de um incenso,
Obra de serafins que, pelo chão roçando
Do quarto, estavam meneando
Um ligeiro turíbulo invisível:
E eu exclamei então: "Um Deus sensível
"Manda repouso à dor que te devora
"Destas saudades imortais.
"Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora".
E o corvo disse: "Nunca mais".
"Profeta, ou o que quer que sejas!
"Ave ou demônio que negrejas!
"Profeta sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno
"Onde reside o mal eterno,
"Ou simplesmente náufrago escapado
"Venhas do temporal que te há lançado
"Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo
"Tem os seus lares triunfais,
"Dize-me: existe acaso um bálsamo no mundo?"
E o corvo disse: "Nunca mais".
"Profeta, ou o que quer que sejas!
"Ave ou demônio que negrejas!
"Profeta sempre, escuta, atende, escuta,
atende!
"Por esse céu que além se estende,
"Pelo Deus que ambos adoramos, fala,
"Dize a esta alma se é dado inda escutá-la
"No Éden celeste a virgem que ela chora
"Nestes retiros sepulcrais,
"Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!"
E o corvo disse: "Nunca mais!"
"Ave ou demônio que negrejas!
"Profeta, ou o que quer que sejas!
"Cessa, ai, cessa! (clamei, levantando-me)
cessa!
"Regressando ao temporal, regressa
"À tua noite, deixa-me comigo...
"Vai-te, não fique no meu casto abrigo
"Pluma que lembre essa mentira tua.
"Tira-me ao peito essas fatais
"Garras que abrindo vão a minha dor já crua"
E o corvo disse: "Nunca mais".
E o corvo aí fica; ei-lo trepado
No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho.
Parece, ao ver-lhe o duro cenho,
Um demônio sonhando. A luz caída
Do lampião sobre a ave aborrecida
No chão espraia a triste sombra; e fora
Daquelas linhas funerais
Que flutuam no chão, a minha alma que chora
Não sai mais, nunca, nunca mais!

Reprodução

Após a morte de Virginia, Poe abandona Fordham, entregando-se a exageros para esquecer a rotina amarga que vivia; e, por essa época, alheio a tudo, cometeu os maiores desatinos. O Corvo colocou-o em contato com a mais brilhante sociedade nova-iorquina, proporcionando-lhe amizades encantadoras. Oferece, então, o seu amor com veemência, escreve poemas inflamados, cheios de entusiasmo. As mulheres às quais se dirige sucessivamente reconhecem a fragilidade desses novos sentimentos, que o poeta crê arraigados em si. Malgrado a sedução de sua lingualinguagem e da sua correspondência, embora seja o mais eloquente dos amorosos, elas resistem e se defendem, como acontece com a senhora Shaw, uma amiga de Virginia, mas depressa a esquecerá. Faz simultaneamente a corte à senhora Richmond e à senhora Whitman, que sentem, instintivamente, tudo quanto há de artifício nesses protestos tão apaixonados. A facilidade com que o infeliz troca o objeto amado indica que elas tinham razão de se guardarem e de não cederem às suas primeiras efusões.
Mal se sente abandonado por uma, Poe leva logo as homenagens para outra, com o mesmo furor, como acontece ao reencontrar uma antiga namorada, Elmira Roystester, tornada viúva Shelton. Na sequência de uma corte rápida, mas impetuosa, a data do casamento é fixada para 17 de outubro de 1849. O poeta deixa de beber e de intoxicar-se. Chega a inscrever-se na Liga dos Filhos da Tempestade.
Sepultura de Allan Poe.
Últimos dias
É a calma aparente antes da tempestade final. A 27 de setembro desse mesmo ano, parte para Nova York, a fim de convidar "mamãe" Clemm para assistir ao casamento. Em Baltimore, embriaga-se. Volta a partir, mas num comboio desmaia e um fiscal reenvia-o a Baltimore. Essa vida atormentada acaba como devia acabar: no leito de um hospital. Quando para lá o levaram, não dava acordo de si, não sabia quem o conduzia, nem como tinha passado as suas últimas horas.
E destes momentos à morte foi um passo apenas. Viveu ainda uns dias agitados por violentos delírios, com alguns intervalos de lucidez, procurando um homem chamado "Reynolds". Depois, aquietou-se. Era domingo, 7 de outubro: abre os olhos e percorre-os em redor, como que procurando algo que há muito buscava em vão; e, logo após, pendendo a cabeça, profere:
- Senhor, ajudai a minha pobre alma. E assim morreu.
Dedico este texto em memória de meu inesquecível amigo Hélio do Soveral, que, como eu, tinha Edgar Allan Poe como seu maior ídolo
*Rubens Francisco Lucchetti é ficcionista e roteirista.


Fonte >
http://literatura.uol.com.br/literatura/figuras-linguagem/23/artigo134635-1.asp




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Ex-Libris Celia Costa Published @ 2014 by Ipietoon